domingo, 8 de setembro de 2013

Jogo de Cena


No campo narrativo, Eduardo Coutinho nos brinda, em Jogo de Cena, com uma narrativa envolvente, dramática, tensa e complexa. No início do filme, um convite no jornal anuncia que um documentário necessita de mulheres e de suas histórias. A partir daí, acompanhamos, através destas mulheres, seus diversos dramas. O que nós não sabemos, mas Coutinho - o diretor do filme - já sabe, é que algumas destas mulheres são atrizes profissionais e estão contando histórias “reais” de outras mulheres. Ele não tenta esconder plenamente este segredo, pois coloca a atriz Andréa Beltrão, conhecida por suas atuações em diversas novelas, nos primeiros minutos do documentário. No entanto, estamos habituados às atrizes, que não piscam olhos ou olham diretamente para o ouvinte. Aqui, a Andréa olha para fora de campo, pisca e gesticula bastante. Em close-up, pequenos gestos, como uma sutil contração de um pequeno músculo da face, podem ser visualizados. Atores e atrizes sabem disto, porém, em Jogo de Cena, a atriz abusa destes gestos exagerados, recorrendo frequentemente às mãos. Está não é uma prática recorrente no teatro e no cinema, ou seja, na ficção, no entanto, comunicamos deste jeito na vida real. Portanto, Jogo de Cena, com o intuito de criar suspense e drama, traz uma instância narrativa fictícia que, apenas após arrebatar-nos emocionalmente, explicitamente se revela ficcional. Porém, a surpreendente revelação vem tarde demais e nossas lágrimas já chegaram ao chão.

Esta divisão entre real e fictício acaba sendo injusta, já que o real e o fictício se entrelaçam constantemente no documentário. Novamente, a Beltrão, por exemplo, cai no choro ao contar uma história que não é sua, mas que lhe provoca emoções, sentimentos, dores. É neste momento triste que descobrimos que as histórias contadas por ela não são realmente suas. Tais revelações abruptas são verdadeiros pontos de virada de roteiro, conduzem os personagens, neste caso, as atrizes profissionais, para outra direção. É tão abrupto e dramático que Coutinho, nestes momentos, move a câmera com travellings ágeis que transmitem eficazmente estas perturbações presentes na narrativa. É interessante notar que, gradativamente, mais adiante na narrativa, quando as atrizes profissionais, aos poucos, revelam que as histórias não são suas, os travellings passam a ser lentos, tornam-se contemplativos. Por isso a importância da história dramática “real” das outras mulheres, pois sem ela, dificilmente as atrizes, como Andréa Beltrão e Marília Pera, iriam se emocionar. Aliás, é notável a diferença entre as duas. A primeira realmente se emociona ao interpretar alguns sentimentos contidos na história, a segunda, diz que chorou de um determinado modo porque queria passar certo grau de realismo.

        Aliás, quem seria o narrador deste documentário? Temos um narrador-personagem ou um narrador-observador? Temos algum narrador? Ora, se as diversas histórias são o roteiro deste documentário, as atrizes profissionais são as verdadeiras narradoras. Aliás, estas narradoras personagens: a Marília Pêra, a Andréa Beltrão e a Fernanda Torres, dialogam, inclusive, com o narrador fílmico e - principalmente a primeira (Marília Pêra) - sugere ao narrador fílmico (Eduardo Coutinho) como este deveria narrar (fazer o filme), como pode ser observado no instante em que ela diz que falhou ao chorar olhando a câmera, uma atitude não comumente vista no cotidiano e que, por isso; a cena deveria ser retirada. No campo narrativo, portanto, o trabalho de Eduardo Coutinho é exemplar ao jogar com nossas expectativas e brincar com o que é real, fictício, atuação etc.

Quanto à peça cinematográfica e à mise-en-scène, a iluminação, por meio da técnica claro-escuro (chiaroscuro), que enfatiza o contraste entre o claro e o escuro, tem um papel importante porque retira qualquer elemento cênico que poderia chamar a atenção do nosso olhar. No filme, são os personagens e suas histórias que importam e que por serem dramáticas e caírem, na maioria das vezes, no melodrama vão, por esta técnica de iluminação já referida, serem mais dramatizadas e enfatizadas. Quanto às cores na tela, o preto, que é uma cor que no ocidente nos remete ao luto, está bem presente nas sombras que são opacas e bem demarcadas. Vermelhas, as cadeiras vazias dos teatros conseguem transformar as cores dos vestidos das mulheres em mais pastéis e frias do que já são, e, em outros casos, os vestidos pretos se tornam mais escuros.

Com extremos close-ups, cortes abruptos, travellings ágeis e lentos, o trabalho de Eduardo Coutinho com a câmera é mais explícito só quando deve ser - como na já reinteradas revelações das atrizes profissionais. Em momentos como estes e em outros, quando as histórias ganham contornos mais dramáticos, nos aproximamos mais e mais das mulheres, às vezes em travellings lentos, outras em cortes na montagem que nos aproximam das atrizes e personagens.

É neste pula-pula, na brincadeira, que o filme enaltece o que é mais importante: as histórias, independente da fonte, se são reais ou não, pouco importa. O que mais interessa é a capacidade daquele que as conta. E Eduardo Coutinho sabe como contar uma história. 

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