No campo narrativo,
Eduardo Coutinho nos brinda, em Jogo de Cena, com uma narrativa envolvente,
dramática, tensa e complexa. No início do filme, um convite no jornal anuncia
que um documentário necessita de mulheres e de suas histórias. A partir daí,
acompanhamos, através destas mulheres, seus diversos dramas. O que nós não
sabemos, mas Coutinho - o diretor do filme - já sabe, é que algumas destas
mulheres são atrizes profissionais e estão contando histórias “reais” de outras
mulheres. Ele não tenta esconder plenamente este segredo, pois coloca a atriz
Andréa Beltrão, conhecida por suas atuações em diversas novelas, nos primeiros
minutos do documentário. No entanto, estamos habituados às atrizes, que não
piscam olhos ou olham diretamente para o ouvinte. Aqui, a Andréa olha para fora
de campo, pisca e gesticula bastante. Em close-up, pequenos gestos, como uma
sutil contração de um pequeno músculo da face, podem ser visualizados. Atores e
atrizes sabem disto, porém, em Jogo de Cena, a atriz abusa destes gestos
exagerados, recorrendo frequentemente às mãos. Está não é uma prática
recorrente no teatro e no cinema, ou seja, na ficção, no entanto, comunicamos
deste jeito na vida real. Portanto, Jogo de Cena, com o intuito de criar
suspense e drama, traz uma instância narrativa fictícia que, apenas após
arrebatar-nos emocionalmente, explicitamente se revela ficcional. Porém, a
surpreendente revelação vem tarde demais e nossas lágrimas já chegaram ao chão.
Esta divisão entre
real e fictício acaba sendo injusta, já que o real e o fictício se entrelaçam
constantemente no documentário. Novamente, a Beltrão, por exemplo, cai no choro
ao contar uma história que não é sua, mas que lhe provoca emoções, sentimentos,
dores. É neste momento triste que descobrimos que as histórias contadas por ela
não são realmente suas. Tais revelações abruptas são verdadeiros pontos de
virada de roteiro, conduzem os personagens, neste caso, as atrizes
profissionais, para outra direção. É tão abrupto e dramático que Coutinho,
nestes momentos, move a câmera com travellings ágeis que transmitem eficazmente
estas perturbações presentes na narrativa. É interessante notar que, gradativamente,
mais adiante na narrativa, quando as atrizes profissionais, aos poucos, revelam
que as histórias não são suas, os travellings passam a ser lentos, tornam-se
contemplativos. Por isso a importância da história dramática “real” das outras
mulheres, pois sem ela, dificilmente as atrizes, como Andréa Beltrão e Marília
Pera, iriam se emocionar. Aliás, é notável a diferença entre as duas. A
primeira realmente se emociona ao interpretar alguns sentimentos contidos na
história, a segunda, diz que chorou de um determinado modo porque queria passar
certo grau de realismo.
Aliás, quem seria o narrador deste
documentário? Temos um narrador-personagem ou um narrador-observador? Temos
algum narrador? Ora, se as diversas histórias são o roteiro deste documentário,
as atrizes profissionais são as verdadeiras narradoras. Aliás, estas narradoras
personagens: a Marília Pêra, a Andréa Beltrão e a Fernanda Torres, dialogam,
inclusive, com o narrador fílmico e - principalmente a primeira (Marília Pêra)
- sugere ao narrador fílmico (Eduardo Coutinho) como este deveria narrar (fazer
o filme), como pode ser observado no instante em que ela diz que falhou ao
chorar olhando a câmera, uma atitude não comumente vista no cotidiano e que,
por isso; a cena deveria ser retirada. No campo narrativo, portanto, o trabalho
de Eduardo Coutinho é exemplar ao jogar com nossas expectativas e brincar com o
que é real, fictício, atuação etc.
Quanto à peça
cinematográfica e à mise-en-scène, a iluminação, por meio da técnica
claro-escuro (chiaroscuro), que enfatiza o contraste entre o claro e o escuro,
tem um papel importante porque retira qualquer elemento cênico que poderia
chamar a atenção do nosso olhar. No filme, são os personagens e suas histórias
que importam e que por serem dramáticas e caírem, na maioria das vezes, no
melodrama vão, por esta técnica de iluminação já referida, serem mais dramatizadas
e enfatizadas. Quanto às cores na tela, o preto, que é uma cor que no ocidente
nos remete ao luto, está bem presente nas sombras que são opacas e bem demarcadas.
Vermelhas, as cadeiras vazias dos teatros conseguem transformar as cores dos
vestidos das mulheres em mais pastéis e frias do que já são, e, em outros
casos, os vestidos pretos se tornam mais escuros.
Com extremos
close-ups, cortes abruptos, travellings ágeis e lentos, o trabalho de Eduardo
Coutinho com a câmera é mais explícito só quando deve ser - como na já
reinteradas revelações das atrizes profissionais. Em momentos como estes e em
outros, quando as histórias ganham contornos mais dramáticos, nos aproximamos
mais e mais das mulheres, às vezes em travellings lentos, outras em cortes na
montagem que nos aproximam das atrizes e personagens.
É
neste pula-pula, na brincadeira, que o filme enaltece o que é mais importante:
as histórias, independente da fonte, se são reais ou não, pouco importa. O que mais
interessa é a capacidade daquele que as conta. E Eduardo Coutinho sabe como
contar uma história.
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