quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O segredo por trás dos curtas vitoriosos

"A movie, I think, is really only four or five moments between two people; the rest of it exists to give those moments their impact and resonance. The script exists for that. Everything does." - Robert Towne

Robert Towne disse isso sobre o longa-metragem. Quanto ao curta-metragem, ele provavelmente diria que o curta é feito para apenas dois grandes momentos e que o resto serve para dá impacto e ressonância a esses dois momentos.

Roteiristas iniciantes comumente escrevem curta-metragens com excesso de tudo: muitos obstáculos, conflitos, cenários, diálogos e pontos de virada (twists). Essas histórias acabam se tornando confusas.

Desesperados, apelam para a violência. Inserem mortes, transas e murros. Estórias já enfraquecidas ficam cada vez piores e implausíveis.

Esses roteiristas esquecem que  a estrutura de um curta-metragem é diferente da de um longa-metragem. 


A preocupação principal do roteirista de curta deve ser devotada principalmente a dois pontos da história: o incidente incitante e o twist final.

O resto é importante, mas se essas duas partes falham, a história pode cair no esquecimento.

Para começarmos, nada melhor que um exemplo. Vejam o curta-metragem vencedor do Festival Internacional de Sundance. Um filme chamado A Fábrica

Após assisto-lo, retorne para o texto.


O QUE PODEMOS OBSERVAR NESTE CURTA
(SPOILERS)


Estrutura identificada: o filme segue a estrutura conhecida como "The Quest" ou "Jornada do herói". Um protagonista que vai em busca de um objeto de desejo e enfrenta conflitos para conseguir o que quer.

Protagonista: Idosa.

Objeto de desejo (object of desire): entregar o celular para o prisioneiro.

Antagonista: seguranças do presídio;

Conflito: o conflito não é direto. Há o suspense que é a espera por um provável conflito. Há tensão e suspense.


Incidente incitante: prisioneiro está ansioso para que uma idosa entregue um celular para ele na prisão. O incidente incitante está fora da do filme, mas fica claro para o espectador logo de cara quando o prisioneiro pergunta sobre o celular. A idosa recebeu ordens para entregar um celular na prisão (evento drástico/impactante).

Pergunta gerada pelo curta e que a platéia quer ver respondida (o que Robert Mckee chama de "obligatory scene"): a idosa conseguirá ou não entregar o celular para o detento? E qual crime ele cometerá quando pegar o celular?

Por ele ser um prisioneiro em busca de um celular, antecipamos, devido ao nosso preconceito, que ele pegará o celular para cometer um crime.

Portanto, antecipamos algo ruim.

Twist final surpreendente: descobrimos que o prisioneiro queria apenas ligar para sua filha aniversariante e dizer a ela que ele está bem e trabalhando na "fábrica". O resultado, portanto, é algo bom. Nossa antecipação ruim estava errada e por isso o final do curta surpreende.

Observe que há começo, meio e fim claros no curta. Só que o meio dele não é tão significante assim. O que torna este filme diferente de todos os outros é o começo e o final. O meio apenas serve para 
nos deixar em suspense, intensificando assim a força do final além de nos direcionar para longe do twist final surpreendente.

O meio nos faz acreditar ainda mais que o bandido quer o celular para ligar para algum bandido. Algo relacionado ao tráfico. Achamos que ele vai cometer um crime com o celular (antecipação ruim). O final surpreendente e pacífico, sem crime, funciona por causa da exposição inicial (antes do incidente incitante) e do meio. 


Ou seja, como Robert Towne falou, todo o resto - a cena na casa da senhora e na prisão e os seguranças vasculhando as roupas da senhora - serve para os pontos mais importantes e significantes, ou seja, o final.

O twist final se torna significante, impactante e ressonante, devido ao resto (cena inicial, suspense do meio e cena final de resolução) do curta.