quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Análise do twist final de "A Ética", curta-metragem escrito por Pablo Villaça.

CURTA-METRAGEM: A ÉTICA
*veja o filme antes de ler o texto, já que analisarei a surpresa final do curta.

"Eu acredito na ética, a ética tem feito minha fortuna".

É a primeira fala do sequestrador. Surge nos segundos iniciais. O escritor Pablo Villaça não perde tempo. Manipula a expectativa do espectador desde o início. Nós realmente acreditamos que o matador é uma pessoa ética do início até o fim do curta devido a força da fala. A atuação fria do ator e a direção também ajudam.

Tudo nos leva crer que o matador realmente está falando a verdade sobre si.

O curta de Pablo Villaça demonstra mais uma forma de manipular a expectativa do espectador. Basta colocar um personagem que realmente pareça ser alguém que ele não é. Ele pode mentir descaradamente. "I'll wait for the next one" e "Dirty", ambos que podem ser encontrados no YouTube, fazem a mesma coisa.

Como já escrevi em outros posts, curta-metragens são escritos do final para o começo, na maioria das vezes. Um bom final é extremamente importante em curtas. Por isso, roteiristas tendem a surpreender o espectador no final.

Este twist final é o momento mais importante do curta. Todos os diálogos e cenas são escritas tendo em mente o final. Quanto a "A ética", se Pablo Villaça não tivesse escrito esta linha de diálogo, o final do curta não seria impactante. Precisamos acreditar na ética do matador para nos surpreendermos com o twist final.

O tipo de manipulação usada neste filme provavelmente não funcionaria em outros. No curta-metragem "A Fábrica", o detento nunca fala para alguém ele é bom ou ruim. Cada filme vai pedir uma forma diferente de manipulação. Devo lembrar que a palavra "manipulação" não quer dizer enganar. Apenas esconder, ludibriar. Como um mágico.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O segredo por trás do curtas vitoriosos (parte 2)

Esta estrutura aliás é observada em diversos longa-metragens. Observem estes quatro filmes completamente distintos: "Se7en", "Pequena Miss Sunshine", "O Som ao Redor" e o curta "Em Trânsito".

Sem o final de "O Som ao Redor", o que seria o filme? Um filme mediano.

O que seria "Pequena Miss Sunshine" sem a dança erótica da garotinha? Um filme mediano, e até medíocre.

E "Se7en" sem o forte final? Um mediano filme de suspense.

E o filme-arte "Em Trânsito" sem aquele final grandioso e musical? Apenas uma boa história.

Quanto ao "O Som ao Redor", a estrutura é parecida com a do filme "A Fábrica". Antecipamos que os seguranças de "O Som ao Redor" são pessoas boas e pacíficas, mas estão ali para matar.

A mesma coisa ocorre em Pequena Miss Sunshine. Antecipamos que a apresentação da garotinha de Pequena Miss Sunshine vai ser algo comum, porém acaba sendo sexual.

Bem, quais seriam as melhores formas de se criar estes dois pontos tão importantes da história e o que um bom começo e meio devem fazer para intensificar estes dois momentos?

SOBRE O INCIDENTE INCITANTE

O INCIDENTE INCITANTE - o evento/acontecimento que muda o protogonista e faz ele reagir/agir e ir atrás de um objetivo pode ser um forte dilema ou algo completamente drástico e surpreendente. Também pode ser uma ironia (o incidente incitante de To have and to hold). Muitas vezes, é algo difícil que requer uma ação urgente.

Vejam como o incidente incitante de um curta premiado é sempre um forte dilema ou um acontecimento drástico, ou ambos:

I'll wait for the next one - mulher tem que escolher entre descer ou não na próxima parada para conhecer um rapaz apaixonado. (Dilema e evento drástico).

The Lunch Date - mulher rica tem seu almoço roubado por um mendigo. (Dilema e evento drástico).

Cargo - um pai descobre que vai se tornar zumbi dentro de três horas e precisa de qualquer jeito levar seu filho ainda bebê para um lugar seguro. (Evento drástico).

To Have and to Hold - após um acidente automobilístico, mulher tem que cortar o braço apaixonado do marido para fugir das engrenagens do carro. (Dilema e evento drástico).

Helium (ganhador do Oscar) - enfermeiro precisa contar uma história infantil antes de um paciente morrer. (Evento drástico e o dilema vem depois e é devotado a uma enfermeira e não ao protagonista).

A Ética (dirigido e roteirizado por Pablo Villaça) - homem tem que escapar de um matador de aluguel negociando sua próprio vida.

URGÊNCIA - todos estes três bons curtas têm um incidente incitante impactante e que requer uma resposta urgente.
The Lunch Date - o mendigo come mais e mais a salada e a protagonista (a idosa) tem que fazer algo rapidamente em resposta a isto antes da salada terminar.

I'll wait for the next one - a mulher tem 3 minutos para descer do metrô e precisa se decidir.

Cargo - ele tem que correr e levar o bebê em três horas.

Roteiristas americanos chamam essa urgência de "ticking time bomb". Em muitos filmes não é tão perceptível a urgência, mas ela existe. Viagens de última hora de pares românticos, por exemplo.

SOBRE O TWIST FINAL + CLÍMAX

TWIST FINAL (SURPRESA/REVERSAL) - Na maioria das vezes, um twist final é na verdade o contraste entre a expectativa boa/má e o resultado bom/mal. Esperamos que o prisioneiro em A Fábrica seja alguém ruim, porém ele é alguém bom.

Além disso, twists finais costumam ser direcionados apenas para a platéia. Os outros personagens não sabem do segredo. Em "A Fábrica", a menina não sabe do segredo. O protagonista já sabe. Apenas para nós realmente é revelado.

Em contrapartida, "I'll wait for the next one" tem um segredo revelado que não apenas nós descobrimos como também a protagonista.

Observem que nossa expectativa é que o personagem é alguém bom, porém no final descobrimos que ele é alguém que mentiu ou escondeu a verdade.

Nem sempre twist final é realizado desta maneira. Nem sempre é necessário um segredo ser revelado no final do curta.

O curta Cargo tem como surpresa a estratégia do pai em salvar seu filho e um tiro de rifle inesperado e impactante.

The Lunch Date tem duas surpresas. Descobrimos que o mendigo não é alguém ruim, como esperássemos que fosse, e descobrimos que a protagonista não teve sua salada roubada (alívio bom). Além disto, ironicamente, foi ela que acabou tentando roubar a salada do mendigo.

O filme Helium contém uma surpresa final que é apenas uma decisão surpreendente: a da enfermeira em colocar o protagonista em contato com o garoto novamente. É uma ação inesperada e surpreendente pois parece que ela realmente parece que vai contar a história para o menino, porém, muda de ideia e chama o enfermeiro (protagonista). 

O twist final, portanto, não precisa necessariamente ser algo tão drástico. Pode ser algo surpreendente na ação do protagonista na hora de sair da enrascada (como em Cargo). Pode ser um evento surpresa e inesperado (o tiro de rifle em Cargo). 

Pode ser uma revelação a respeito de um personagem que o roteirista não mostrou  no decorrer do filme (Life Lessons, de Martin Scorcese). 


O twist final também pode ser irônico. The Lunch Date tem um final irônico (ela pensou que tinha sido roubada, mas acabou roubando). Em 
Lights Out, um curta de 2 minutos de horror, o fantasma acaba agindo de forma igual a protagonista. A ação da protagonista volta contra ela. O antagonista (monstro) deliga a luz. 
Muitos curtas e longas buscam a ironia. Em Cassino Royale, um terrorista acaba explodindo a se próprio. Em Kick Ass 2, o vilão morre devorado por seu próprio tubarão. Essas ironias também são chamadas de justiça poética. 


Muitas vezes, algum personagem está mentindo no curta ou escondendo algum fato importante (I'll wait for the next one). A revelação pode ser passada apenas para o espectador (como em Life Lessons, de Martin Scorsese). 

Uma dica para diretores: quanto mais dramático a surpresa final, maior o tempo necessário nas reações. Prolongue portanto o fim do curta. Em I'll wait for the next one, por exemplo, passamos um bom tempo vendo a reação da protagonista ao que aconteceu. Temos ainda os créditos do filme para pensarmos a respeito. Tudo aquilo é para sentirmos o peso da revelação bombástica. 

CLÍMAX - O FINAL PODE SER APENAS EFICAZ E FORTE 

Observem que os finais de Cargo e o de To Have and to Hold não são surpreendentes. Apenas eficazes e emocionantes. Tensos e belos. Não precisam de uma grande surpresa final.

Nem sempre precisamos de uma surpresa final bombástica. Apenas de um ou clímax final eficaz.

Às vezes, um dilema no incidente incitante é tão forte (como em To Have and To Hold) que nem precisamos de um final surpreende. O curta funciona tanto que vemos com prazer e atenção como a protagonista vai sair da enrascada. 


UM FORTE INCIDENTE INCITANTE NÃO PRECISA DE UMA SURPRESA FINAL

To Have and to Hold tem um incidente incitante tão impactante que não necessita de uma surpresa final. Robert Mckee diz que na estrutura de um longa, há uma crise e uma ação final climática (o último ato). Ele diz também que pode existir uma crise durante a ação climática. 


Menina de Ouro não possui uma crise durante a ação climática. A crise deste filme é um dilema. O protagonista tem que escolher entre aplicar ou não a eutanásia. Escolher entre a salvação da sua alma ou da consciência de sua aprendiz lutadora. 

O último ato desse filme é o resultado da escolha que ele fez. E t
odo o resto do filme existe apenas para contextualizar a decisão da crise. É por isso que o protagonista tem uma filha que não liga mais para ele. E também é por isso que ele conversa tanto com o padre. Se não existissem essas cenas, o impacto da crise e da ação climática seria diminuído. 

Obs: A ação climática são todas as cenas após o pedido da lutadora.


SOBRE O RESTO (O MEIO, O COMEÇO E A RESOLUÇÃO) 

Claro que isto dependerá da sua história. Diversos filmes contém uma surpresa final surpreendente e o meio apenas serve para nos enganar ou alongar a resposta.

O meio de "I'll wait for the next one", por exemplo, existe apenas para fazer com que nós acreditemos que o rapaz realmente está falando a verdade. 

A FUNÇÃO DO COMEÇO

O que seria de "Em Trânsito" se o protagonista não tivesse a casa destruída no começo do filme? O que seria de "Se7en" se não víssemos Brad Pitt beijando sua mulher? O que seria de "To Have and To Hold" se não soubéssemos o valor sentimental da mão? O que seria da "A Fábrica" se os personagens dissessem tudo o que iriam fazer com o celular?

O começo portanto dá um contexto ao que acontecerá em seguida. Às vezes, esconde fatos importantes para um final surpreendente. Etc.

Curtas, através apenas da imagem, como a bolsa de marca da idosa em The Lunch Date demonstram que ela é rica. Interação entre personagens e objetos também servem para contar sobre o personagem (sabemos que a senhora de The Lunch Date está atrasada pela forma como ela interage com o relógio). Existem outras formas de expor visualmente. O contraste entre a senhora e o mendigo no começo do curta servem para mostrar que ela é rica e fútil.

O começo deste curta também serve para nos despistar do final. Ela é roubada no começo do curta, o que nos faz ficar na expectativa de que ela também roubada pelo segundo mendigo da história. Este começo, portanto, nos despista do twist final.

O começo tem diversas funções e vai depender da história que você quer contar.

O de Election Night (ganhador do Oscar), por exemplo, serve como uma cena eco para o final. Intensificando assim o arco do protagonista que vai de alguém que se interessa por política para alguém apolítico ou desanimado. Ele volta ao bar do começo do curta e vemos o contraste entre o começo (confiante) e o final (desapontado e desinteressado).

Além disso, este curta trabalha com Set-up & Pay-Off (pista e recompensa). No começo, ele rejeita a bebida mexicana, diferente do que ele faz no final.

AS DIFERENTES FUNÇÕES DO MEIO

A "A Fábrica" funciona tão bem por que nós temos uma imagem do prisioneiro clara. Achamos que ele seja mal. Antecipamos que ele cometerá um crime. O meio nos coloca em suspense durante a história e acharmos que a idosa é uma pessoa também má.

I'll Wait for the next one é diferente. O meio serve para nos despistar e certificar que o apaixonado realmente é apaixonado. Ele chega a dizer que não é um ator e que está ali em busca de amor. Enquanto os passageiros discutem com ele, ficamos cada vez mais certo de que ele é um cara apaixonado.

O meio de To Have and To Hold serve apenas para sentirmos toda a dor da protagonista. Estamos perplexos com o acontecimento. Sua função é alongar a resposta ao dilema da mão. 

E quanto ao curta "Em Trânsito"? É um filme de arte. Esta distinção não é tão importante assim, mas necessária. Observem que o filme não se encaixa em nenhum tipo de gênero. Não é uma história de sobrevivência, nem de horror, nem de ação.

As convenções dos filmes de arte é criar emoções diferentes no espectador, vendendo uma mensagem política. O meio serve para nos entregar emoções distintas que camuflam a mensagem política. O meio é cheio de tensão (o protagonista entrando numa concessionária e ficando no meio de uma rodovia) e suspense (uma faca surge na trama).

O final, clímax do filme, é um deleite visual que entrega a mensagem em forma de dança nos surpreendendo com sua beleza e tamanho.

1. AÇÃO E REAÇÃO (IN MEDIA RES) - espectadores hoje em dia não aguentam mais histórias estagnadas e lentas. Por isso é sempre bom ter ação e reação a todo momento num curta (como também em um longa). Observem, por exemplo, Helium. A história nunca para e os personagens vivem interagindo.

In media res (no meio das coisas) é entrar o quanto mais cedo possível na interação entre dois personagens. Observem como filmes tendem a não passar muito tempo filmando um personagem andando e fazendo nada (a não ser que você queira provocar no espectador curiosidade). Na maioria das vezes, as cenas já começam na interação entre dois personagens. Antes da conversa entre os dois, podemos ter uma imagem da casa ou de algum objeto (americanos chamam de "estabilishing shot"), mas logo em seguida, os dois personagens já conversam).


2. OBSTÁCULOS - alguns filmes colocam obstáculos para intensificar o suspense e o drama. E como já disse anteriormente, para nos despistar do final surpresa. Esses obstáculos são importantes após o incidente incitante ou após um dilema para intensificar o suspense e criar no espectador uma sensação de profunda tensão. Assistam Election Night e observem como os conflitos funcionam para aumentar a tensão.

Como qualquer coisa no cinema, cada elemento possui diversas funções. David Bordwell em "Film an Art" exemplifica muito bem isto. Existe uma função por trás do táxi no filme Election Night. Se ele pegasse um ônibus, não existiria história.

O filme "I'll wait for the next one" tem um pequeno conflito entre o apaixonado e alguns homens dentro do metrô. Este conflito tem duas funções. Primeiro, acreditamos ainda mais que o homem realmente está apaixonado, o que serve para nos despistar do twist final surpreendente. Segundo, esse conflito gera suspense e esperamos ansiosamente para saber como vai ser o final do curta.


Existem outras formas de se criar tensão e suspense e o conflito direto não é sempre necessário. Em Cargo, por exemplo, citado mais acima, não existem obstáculos para o protagonista. Ao caminho da salvação, em nenhum momento zumbis aparecem, nem estupradores. O único antagonista fica por conta do cansaço. Em certo momento, ele cai. Noutro momento, percebe que o tempo está acabando e que ele está virando um zumbi. 


Outra forma de criar tensão/suspense e ansiedade é alongar o tempo até o final. Atrasar o final. Existem muitas formas de fazer isso e o livro Writing for Emotional Impact as dispõe. 

Romances, como Antes do Amanhecer (longa de Richard Linklater), não possuem conflito exagerado. Mas a interação entre os dois personagens é cheia de suspense. Quando eles vão se beijar? Como será o beijo? Eles vão fazer sexo? O que ela vai responder ao que ele disse a respeito da religião? O que a cartomante vai dizer sobre eles?

Este post foi direcionado para aqueles que querem escrever um bom curta e que acabam às vezes se perdendo ou alongando demais a história. Busquem filmes e observem estes elementos descritos aqui. E se lembrem sempre da força de um bom dilema.

3. URGÊNCIA INTENSIFICADA DEVIDO AO MEIO

O meio de uma história também serve para tornar a história cada vez mais urgente. O protagonista deve resolver o problema nos últimos segundos por que o meio não deixa o protagonista resolver o problema. Além de um ou outro obstáculo, uma complicação pode existir que acelera tudo. Por exemplo, em Helium, o protagonista não pode mais entrar no quarto do garoto que está cada vez mais com a saúde deteriorada. Election Night é um exemplo claro disso. 

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*OBS: Bons filmes surpreendem quase a todo momento. Ninguém espera que o protagonista de Cargo vire zumbi de repente. Em Election Night, ninguém espera um taxista racista, nem que o protagonista vai retornar ao bar para tomar uma cerveja mexicana.

Trocas de diálogos maravilhosos também podem surpreender. Existem até técnicas de de surpresa para na hora da criação de linhas de diálogos.

Para não só apenas dois grandes momentos mas também diversos bons momentos num curta, sugiro estes três escritores maravilhosos no final do post.

Lembre-se, um curta é feito para intensificar 2 grandes momentos. Apenas dois. E se um curta é muito pequeno (30 segundos ou 1 minuto) basta apenas um grande momento. Mas aí é papo para um próximo post.
*OBS: esqueça a estrutura fechada da "Jornada do Herói". Muitas das etapas não existem em curtas embora os arquétipos possam existir. 

Livros imperdíveis:


Para entender mais sobre dilema - Story, de Robert Mckee.

Sobre como provocar emoções no espectador - Writing for Emotional Impact, de Karl Iglesias.
Sobre decisão, suspense e ação - William C. Martell (the action and Scene Secrets blue books)