Ambientado no
Recife, o Som ao Redor trata bastante sobre nós – recifenses – ao escancarar as
aflições mais explícitas e os medos mais intrínsecos, e neste aspecto, o filme
não é nada sutil, mas isto não é de forma alguma uma crítica. Ele brilha ao transformar
nossos medos sociais em pesadelos rotineiros na vida de uma menina da trama; ao
colocar o contato patrão e empregado análogo a uma época escravista distante e,
claro, utilizando o som estridente que nos enfurece no dia a dia de forma tanto
diegética (vinda daquele mundo fílmico, escutado e provocado pelos os
personagens) como na trilha sonora, deixando claro que em nenhum momento
escaparemos deste desobediente som. Fora estes tantos pontos positivos, é na
forma de narrar onde O Som ao Redor realmente brilha.
Ao não se
restringir narrativamente à apenas um personagem, a película pode abordar um
mosaico de figuras: alguns de maneira profunda, outros, superficialmente - lidando
com seus problemas da mesma forma como nós lidaríamos. Quando a narrativa caminha
no interior de Pernambuco com duas figuras superficiais que tomam banho de
cachoeira e brincam em um cinema antigo, mas restringe um tempo ínfimo para um
menino de rua, este é o mesmo interesse narrativo que devotamos ou devotaríamos
a esses personagens em um mundo real.
Muitos caminham horas no shopping e leem
notícias vazias a respeito de famosos efêmeros, mas os minutos depositados
naqueles que sofrem se reduzem a impostos e a um olhar misericordioso
direcionado para fora da janela do carro. Já fiz isto também, mas quando
comecei a pensar conscientemente naqueles que sofrem nas ruas, tais figuras se
tornaram reais (mais humanas) tanto de dia quanto de noite na minha mente; e as
caminhadas em centros de compras ficaram cada vez mais, dolorosas, irritadiças,
acinzentadas.
Por ter
consciência da exclusão social que um menino de rua sofre, racionalmente, posso
aplaudir quando o diretor o transforma em um ser animalesco e fantasmagórico
que dorme nos galhos de árvores e, quando corre, vira-se vulto, porque é assim
que estes se comportam no nosso inconsciente. Você; não sei. Mas meus pesadelos
são constantes e, em inúmeras vezes, se resumiram a assaltos amedrontadores,
que de forma similar aos da menina do filme só percebi que eram sonhos algum
tempo após acordar.
Camuflado na
narrativa existe uma história de vingança – típica do Western - que serve para
nos colocar um ponto de interrogação moral. (Pare de ler aqui se você não viu o
filme). Ao defender as atitudes criminosas de um de certo personagem que mata
brutalmente o “senhor de engenho”, dono de uma grande parte do bairro,
estaríamos aceitando nossa própria punição ou a punição destes que nos desperta
ojeriza. Não acho que este é o caminho que deveríamos traçar, mas é claro que é
uma interrogação pertinente.
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